O detetive Bernie Gunther me levou de volta à Baviera, numa Alemanha que buscava se recuperar, física e moralmente, dos estragos gigantescos causados pela Segunda Guerra Mundial. Neste cenário começa a se desenrolar a história de Um do Outro, livro do escritor escocês Philip Kerr.
Já nas primeiras páginas encontramos a cidade de Dachau, onde foi criado o primeiro campo de concentração da Alemanha nazista, vazia, abandonada. Acessamos uma Munique destruída pelos bombardeios, mas parecendo um grande canteiro de obras, prédios sendo reconstruídos, vias sendo desobstruídas e pessoas refazendo suas vidas cotidianas. Escombros e reparos.
É surpreendente caminhar por Munique nos dias atuais e ver que não há mais marcas da guerra, pelo menos não visíveis, que ela está linda como se nunca houvesse sido bombardeada.

Munique
O Detetive Bernie Gunther – nosso condutor por Um do Outro
Bernie Gunther, apesar de nunca ter se associado ao partido Nacional Socialista, foi obrigado a lutar na guerra, fez parte da temida SS – Schutzstaffel, esquadrão de proteção (de Hitler e outros membros do partido) e guarda lembranças doloridas dos atos hediondos a que foi obrigado a executar. Durante uma guerra nem sempre os soldados têm escolhas. Após a guerra, tem que aprender a conviver com os pesadelos e a consciência.
Aqueles que a têm. Gunther tem.
Bernie, o personagem principal de Um do Outro, é uma figura mordaz, cínica, irônica, ferina. Com princípios. Foi fácil gostar dele. Após a guerra e a morte de sua esposa, ele deixa Dachau e vai para Munique onde volta a trabalhar como detetive. Quatro anos após o fim da guerra, há muitas pessoas desaparecidas e ele começa a emendar um caso no outro, cada um deles com suas particularidades.
A história de Um do Outro
Os casos vão surgindo e através dos clientes e investigações de Gunther nós vamos conhecendo as várias correntes de pensamentos que surgem na Alemanha pós guerra: judeus em busca de vingança, judeus que querem apenas esquecer a guerra e seguir em frente. Muitas pessoas se posicionando contra e a favor dos julgamentos pelos tribunais internacionais.
Nazistas condenados e procurados fugindo de suas sentenças, alemães não judeus tentando reconstruir suas vidas, ajustando culpas, assumindo ou se eximindo de suas responsabilidades. Pessoas obrigadas a conviver com as escolhas de quem não teve escolhas. Mesmo para muitos alemães não judeus que não compactuaram com as políticas dos nacional socialistas, ou para alguns judeus, foi uma enorme humilhação ter a Alemanha dominada e fatiada em zonas pelas forças aliadas.
Ao caminharmos por Um do Outro percebemos que o mundo não é simples e infelizmente não está dividido entre o bem e o mal como nos contos de fadas. Entre elas há uma infinidade de possibilidades e complexidades humanas. Chega a ser exasperante perceber isso.
Ficção e realidade se misturam em Um do Outro

Igreja do Espírito Santo em Munique
A Alemanha perdeu a guerra, sentiu o gosto amargo da derrota quando pensou ser capaz de dominar o mundo, mas será que o nazismo foi derrotado?! Será que a Alemanha e outros países entenderam o quão atroz é este preconceito?! Conhecendo os personagens de Um do Outro, não me pareceu ser esta uma questão resolvida.
“Como o país mais civilizado do mundo foi capaz de tantas desumanidades?!” se pergunta o detetive…
Através das perquisições de Bernie, vamos acessando fragmentos da Segunda Guerra Mundial, entramos em contato com as mais tétricas práticas de tortura. Cenas hediondas, absolutamente desumanas são narradas dura e friamente.
Toda a crueza humana, indecente, torpe e obscena desfilando diante dos nossos olhos e sentidos, com nossa consciência nos informando: foi real, aconteceu de verdade e nem faz tanto tempo assim!
Diz o Padre Gotovina que ajuda nazistas condenados a fugirem da Alemanha, num encontro com Gunther na Igreja do Espírito Santo: “(…) para mim não faz diferença se você matou 5 ou 5.000. De todo modo estava a serviço de Deus. Judeus e bolcheviques serão sempre sinônimos. Só os americanos são estúpidos demais para não perceber isso.”
Méritos de Um do Outro
A objetividade e impertinência de Gunther diante dos fatos torna a narrativa de Um do Outro, deliciosamente descritiva, leve, mesmo quando estamos diante dos mais absurdos horrores. Ele aguenta qualquer tranco, não com otimismo, este seu aspecto foi perdido entre bombas e cadáveres durante a guerra, mas com uma aceitação nada passiva diante da realidade.
Ele nos conduz até nossas próprias reflexões.
Ficção e realidade se misturam durante todo o livro, personagens reais se encontram com personagens que só existem para nos contar esta história. Apesar de toda a trama existente Um do Outro não é destes livros em que ficamos ansiosos para entender que diabos está acontecendo que está ferrando com Bernie?! Qual é a real situação que desvenda este mistério?!
Bem ao contrário vivemos apenas o presente descrito em cada página que nos prende com seus ricos detalhes.
Além disso, a história no leva por todo canto em Munique e viver e reviver a cidade sob nova ótica e tempo, mas podendo identificar suas ruas e monumentos deu muito mais realismo às cenas narradas.
O desfecho
Em determinado momento do livro, Bernie viaja até a Áutria. Quando ele chega à Viena, tudo fica estranho e se complica ainda mais para ele. Ali, começamos a entender toda a trama que parece estranha e pouco crível em determinados momentos ao longo das páginas. Tudo então entra nos eixos e a compreensão se faz. Vamos levantando os véus de algumas situações, colocando-as finalmente no local correto. Na Áustria tudo passa a fazer sentido.
Uma ou outra pergunta ficou ao sabor do vento no enredo, sem resposta, mas nada que pudesse comprometer fortemente a narrativa. Bernie Gunther em determinado momento me frustrou, deixou com raiva e decepcionou, mas quase se redimiu no final. Quase!
O desfecho foi inteligente e sarcástico, mas confesso que gosto de testemunhar todas as cenas até o fim, especialmente quando envolve enfim, a justiça de todas as coisas.
Infelizmente isso não acontece em Um do Outro, o que me deixou um tanto assim desapontada.
Um do Outro
Autor: Philip Kerr (Escócia)
Editora: Record
Números de Páginas: 396
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Um do Outro de Philip Kerr
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Gente, estou querendo conhecer a Alemanha e vou correndo comprar esse livro. Adorei a dica, obrigada.
Que bom que gostou Alexandra! Sugiro mesmo que leia, antes ou depois de voltar, especialmente se gosta da temática e/ou vai para a Baviera. bjs
Eu nunca tinha visto o post desse tipo, que alia livro e lugares, ficção e realidade! E olha que passeio em muitos blogs por ai! Fiquei morrendo de vontade de ler esse livro!
oi Aninha… que bom que encontrou originalidade por aqui! Para mim o mundo está nos livros e os livros estão no mundo. É uma relação tão íntima e poderosa que não consigo mesmo dissociar! 🙂 bjs
As quase quatrocentas páginas foram muito bem resumidas neste post, que me deixou com vontade de ler o livro também.
Me lembrou muito o filme O pianista, devido ao cenário totalmente destruído de uma Alemanha disforme. Ainda bem que tudo é passado, não é atoa que Munique está na minha lista, parece hoje uma cidade encantadora.
oi Gisele… que delícia saber que você gostou de meu resumo. Leia, leia sim Um do Outro e viaje por esta Munique pós guerra. Quando andar pela Munique atual perceberá mais intensamente o quanto eles foram competentes na reconstrução da cidade. Encantadora com certeza!
Um do Outro apesar de temática semelhante a de O Pianista, as histórias em nada se parecem. São completamente distintas. Em tempo: acho o Pianista um filme incrível!! 🙂 bjus
Que resenha espetacular Ana Luiza. Já encomendei o livro no SKOOB. Seu estilo de escrita é envolvente, traçando um paralelo com o momento atual. Parabéns.
oi Carlos… sua mensagem me deixou muito feliz! Amo o mundo dos livros e as histórias contadas em palavras, narrativas construídas… Uma forma de viajar também, afinal! Me conte depois se você ficou envolvido com Gunther e suas andanças ou se decepcionou! 🙂 Em tempo: estou no skoob também. 🙂
Adoro quando consigo viajar na leitura, lembrando dos locais que já conheci. No caso da Alemanha, conheço apenas Berlim, então ler “Um do Outro” de Philip Kerr aumentaria meu desejo e curiosidade de conhecer outras cidades alemãs.
Eu também adoro Leo… quando li Um do Outro já tinha visitado Munique e foi maravilhoso saber por onde os personagens estavam indo. Além disso, me ajudou a entender um pouco mais do que eu vi em Munique! Sensacional! 🙂
Eu tenho o hábito de levar livros para ler durante a viagem, principalmente no avião e nos percursos de trem. Lembro que levei a Menina que Roubava Livros, O Pijama Listrado entre outros, quando visitei Amsterdam, pela primeira vez. Foi de arrepiar, quando entrei na casa de Anne Frank.
Muito interessante você montar o seu roteiro através das leitura! De fato, bem curioso! Vou tentar fazer um roteiro dessa forma também, gostei da ideia.
oi Danielle… já cultivei muito o hábito de levar livros em minhas viagens. Hoje não mais. Como viajo super leve, eles terminaram ficando em casa. rsrsr Mas sempre antes e depois das viagens leio muitos livros sobre os lugares que visitei. Eles fazem parte dos meus planejamentos de viagem. Já li A menina que roubava livros, o menino do pijama listrado, Anne Frank quando tinha 12 anos e antes de visitar seu esconderijo em AMS… Tudo isso faz parte do meu entendimento e conhecimento sobre os lugares, pois tenho a possibilidade de observar os destinos sob muitos prismas! 🙂 bjus
Eu q adoro Alemanha em geral, fiquei curiosa pra ler “Um do outro” – não conhecia esse livro! Mas qq livro q a história se passe na Alemanha e ainda antigamente, com uma base histórica me deixa curiosa com vontade de ler mesmo rs.
Então Fer, eu sugiro que leia Um do Outro. Você com certeza irá se encontrar em Munique. bjs
Excelentes a resenha e a avaliação do livro, intercalando a história contada com as impressões do leitor. Dá vontade de ler e logo em seguida voltar à Alemanha.
oi Sil… para mim há profunda intimidade entre viajar e ler! Ambos andam juntos o tempo todo para mim! 🙂 bj
Parabéns pela resenha do livro, me deixou morrendo de vontades de ir até uma livraria comprar um exemplar agora
Só posso dizer que, em minha opinião, Um do Outro vale a leitura. Vale inclusive correr (literal e rapidamente) até uma livraria para o ter em mãos. Então, Ana, corra para comprar seu exemplar.
Já não me lembro da última vez que li um policia, acredita? Me deu vontade agora que encontrei o seu artigo sobre o Um do OUTRO de Philip KERR. Já anotei na minha lista de livros a ler brevemente.
oi Carla… gosto do gênero. Especialmente quando bem escritos. Principalmente quando tem também conteúdo histórico. Então, se gostas, leia sim Um do Outro. 🙂 bj